sexta-feira, 29 de maio de 2009

Na Casa Mágica

Fantasmas psicológicos
e livros.
Acendo a rádio.
O locutor grita
diz disparates para manter a linha.
Ela consome contra os ladrões
eu nem consumo nem sou ladrão.
Sou outra pessoa agora.
Chupo um cigarro que me arranha a garganta.
Voga música de plástico.
Alheio escrevo folhas de papel.
Construo um papel de parvo, de observador
O poeta sente após o acto.

Tiago Gomes in
Auto-ajuda, Mariposa Azual,
2009
«O que acontece no mundo é que toda a gente que nasce, nasce de alguma maneira poeta, inventor de qualquer coisa que não havia no mundo ainda, antes deles nascerem. E inteiramente individual. O Homem não nasce para trabalhar, o Homem nasce para criar, para ser o tal poeta à solta. E dar ele a sua mensagem particular ao mundo, fazer a obra que pode fazer e porque ele é único, será a única obra daquele tipo no mundo.»

Agostinho da Silva

sexta-feira, 22 de maio de 2009

A história de um palhaço

"A vida corta as ilusões, endurece e ai daqueles que persistem em sonhar e em viver com o feitio que em ideal se talharam; pobres dos que são tenazes em perseguir a quimera, sem querer ver as duras pedras do caminho! ... Pouco a pouco todos vêem que devem esconder o seu sonho para quando só, se não lho despedaçam risos. Cada um, porque não é livre e não pode seguir a escarlate quimera, tem uma alegria feroz em rasgar a dos outros. Quem são os fortes? Os miseráveis, as mulheres que se vendem, os que são o que são e não fingem. Na vida, na literatura, na amizade, a mentira se estatela, a ponto de ser necessária toda uma ciência para decifrar a alma - a psicologia. Todos nós temos frases já feitas com que esconder o que pensamos e o que sentimos: é por isso que conversar me fatiga, e que eu só estou bem sozinho."

Raul Brandão in
A história de um palhaço,

quinta-feira, 14 de maio de 2009

ÚLTIMO TESÃO

Alombo contigo há uma porção de anos

e vou-te dizer és um chato

não tens ponta de paciência

para a vida nem para ti próprio



já te ouvi discursos a mandar vir

já te carreguei às costas

bêbedo como um Baco de aldeia

mijando as ceroulas

és um adolescente retardado

faltou-te sempre a quadra do bom senso



vez por outra um livrinho

de versos vez por outra nada

qualquer um do teu tempo

está bastante melhor do que tu

deputado administrador de empresa

ministro da maioria

puta (alguns chegaram a isso)



só tu meu inocente brincas com a neta

açulas o cão pedindo

à família que te ature

o tipo um dia destes morde-te

que é para aprenderes



mas aqui entre amigos

vou-te dizer também

uma coisa importante não cedas

à tentação de mudar

fica nesta pele que é tua



como é que tu escrevias

merdalhem-se uns aos outros



o país mete dó



guarda o último tesão

para mandares

meia dúzia de canalhas à tabua



Lisboa

5/6/9-VII-95

Fernando Assis Pacheco in
Respiração Assistida,
posfácio de Manuel Gusmão,
Assírio & Alvim, Lisboa, 2003

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Soma

Não discuto se sou feliz ou não.
Mas de uma coisa faço por lembrar-me sempre:
Que nessa grande soma - a deles, que eu detesto -
De tantas e tantas parcelas, não sou
Uma delas. Eu nunca fui contado
Para a soma total. Esta alegria basta.



Constantino Cavafy in
90 e mais quatro poemas, trad. Jorge de Sena

A QUANTAS ANDO

as minhas botas
cães de fila, um mastim branco
e um dono insano

neste ofício
é preciso perder

Highgate, vinte e sete de Maio
ouvem-se os sinais objectivos de um corvo
as ervas também e os arbustos
alimentados a nitrato

à entrada pagamos qualquer coisa
em moedas pequenas
moedas em todo o caso
a Preciosa Maria said to the lady
that Karl Marx devia estar às voltas na tumba

nesse mesmo dia ao que dizes
os new order tocaram atmosphere no super bock
super rock e parece que houve choro e spleen

encostei-me não me lembro onde
e fiquei a olhar a cabeça de marx
o cemitério é amigo e explica muitas coisas

João Almeida
in Glória e Eternidade,
Teatro de Vila Real

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Táctica estética ou estava difícil

Segue-se uma estética
para chegar ao íntimo das coisas
e sugar-lhes o sumo
ou antes, o néctar,
ou melhor, o licor,
quero dizer, o elixir,
isto é, a essência,
porra, a poesia.