terça-feira, 15 de dezembro de 2009
ELEGIA (I)
Mas para que serve o pássaro?
Nós o contemplamos inerte.
Nós o tocamos no mágico fulgor das penas.
De que serve o pássaro se
desnaturado o possuímos?
O que era vôo e eis
que é concreção letal e cor
paralisada, íris silente, nítido,
o que era infinito e eis
que é peso e forma, verbo fixado, lúdico
O que era pássaro e é
o objeto: jogo
de uma inocência que
o contempla e revive
— criança que tateia
no pássaro um
esquema de distâncias —
mas para que serve o pássaro?
O pássaro não serve. Arrítmicas
brandas asas repousam.
Orides Fontela
Transposição (1969)
Nós o contemplamos inerte.
Nós o tocamos no mágico fulgor das penas.
De que serve o pássaro se
desnaturado o possuímos?
O que era vôo e eis
que é concreção letal e cor
paralisada, íris silente, nítido,
o que era infinito e eis
que é peso e forma, verbo fixado, lúdico
O que era pássaro e é
o objeto: jogo
de uma inocência que
o contempla e revive
— criança que tateia
no pássaro um
esquema de distâncias —
mas para que serve o pássaro?
O pássaro não serve. Arrítmicas
brandas asas repousam.
Orides Fontela
Transposição (1969)
A imensa alegria de servir
Toda natureza é um desejo de serviço.
Serve a nuvem, serve o vento, serve o sulco.
Onde houver uma árvore para plantar,
planta-a tu;
onde houver um erro para corrigir,
corrige-o tu;
onde houver uma tarefa que todos recusem,
aceita-a tu.
Sê quem tira
a pedra do caminho,
o ódio dos corações
e as dificuldades dos problemas.
Há a alegria de ser sincero e de ser justo;
há, porém, mais do que isso,
a imensa alegria de servir.
Como seria triste o mundo
se tudo já estivesse feito,
se não houvesse uma roseira para plantar,
uma iniciativa para lutar!
Não te seduzam as obras fáceis.
É belo fazer tudo
que os outros se recusam a executar.
Não cometas, porém, o erro
de pensar que só tem merecimento executar
as grandes obras;
há pequenos préstimos que são bons serviços:
enfeitar uma mesa.
arrumar uns livros.
pentear uma criança.
Aquele é quem critica,
este é quem destrói;
sê tu quem serve.
Servir não é próprio dos seres inferiores:
Deus, que nos dá fruto e luz,
serve.
Poderia chamar-se: o Servidor.
E tem os seus olhos fixos nas nossas mãos
e pergunta-nos todos os dias:
- Serviste hoje?
Gabriela Mistral
Serve a nuvem, serve o vento, serve o sulco.
Onde houver uma árvore para plantar,
planta-a tu;
onde houver um erro para corrigir,
corrige-o tu;
onde houver uma tarefa que todos recusem,
aceita-a tu.
Sê quem tira
a pedra do caminho,
o ódio dos corações
e as dificuldades dos problemas.
Há a alegria de ser sincero e de ser justo;
há, porém, mais do que isso,
a imensa alegria de servir.
Como seria triste o mundo
se tudo já estivesse feito,
se não houvesse uma roseira para plantar,
uma iniciativa para lutar!
Não te seduzam as obras fáceis.
É belo fazer tudo
que os outros se recusam a executar.
Não cometas, porém, o erro
de pensar que só tem merecimento executar
as grandes obras;
há pequenos préstimos que são bons serviços:
enfeitar uma mesa.
arrumar uns livros.
pentear uma criança.
Aquele é quem critica,
este é quem destrói;
sê tu quem serve.
Servir não é próprio dos seres inferiores:
Deus, que nos dá fruto e luz,
serve.
Poderia chamar-se: o Servidor.
E tem os seus olhos fixos nas nossas mãos
e pergunta-nos todos os dias:
- Serviste hoje?
Gabriela Mistral
terça-feira, 8 de dezembro de 2009
VIDA DE FOGO
Desde a minha juventude desprezei a prudência,
qualquer forma evidente de cautela e rotina.
Gritar onde soasse a voz dos cobardes.
Somente arder e sentir a intensidade
e lançar-me aos abismos do perigo,
ouvindo-me lutar na sua vertigem.
Amar a vida e ser pródigo no seu esbanjamento,
para assim inventariá-la com recordações veementes.
Vida como uma amada deslumbrante,
a quem é necessário seduzir,
beijar até ao mais íntimo da alma,
para morrer, vivendo no seu delírio,
na sua esbelta juventude, no seu contágio.
Vida que se submerge no irrepetível
e, iluminada e fértil, se derrama
na sua alegria imemorial, profunda,
elevando-se, ali, sobre o seu canto,
para trazer os tesouros do puro calafrio.
Justo Jorge Padrón,
Extensão da Morte,
Teorema
qualquer forma evidente de cautela e rotina.
Gritar onde soasse a voz dos cobardes.
Somente arder e sentir a intensidade
e lançar-me aos abismos do perigo,
ouvindo-me lutar na sua vertigem.
Amar a vida e ser pródigo no seu esbanjamento,
para assim inventariá-la com recordações veementes.
Vida como uma amada deslumbrante,
a quem é necessário seduzir,
beijar até ao mais íntimo da alma,
para morrer, vivendo no seu delírio,
na sua esbelta juventude, no seu contágio.
Vida que se submerge no irrepetível
e, iluminada e fértil, se derrama
na sua alegria imemorial, profunda,
elevando-se, ali, sobre o seu canto,
para trazer os tesouros do puro calafrio.
Justo Jorge Padrón,
Extensão da Morte,
Teorema
sábado, 5 de dezembro de 2009
PALAVRAS FUNDAMENTAIS
Faz com que a tua vida seja
sino que repique
ou sulco onde floresça e frutifique
a árvore luminosa da ideia.
Alça a tua voz sobre a voz sem nome
de todos os demais, e faz com que ao lado
do poeta se veja o homem.
Enche o teu espírito de lume;
procura as eminências do cume
e, se o esteio nodoso do teu báculo
encontrar algum obstáculo ao teu intento,
sacode a asa do atrevimento
perante o atrevimento do obstáculo.
Nicolás Guilhén,
Antologia Poética,
Selecção, tradução e notas
de Albano Martins,
Campo das Letras
sino que repique
ou sulco onde floresça e frutifique
a árvore luminosa da ideia.
Alça a tua voz sobre a voz sem nome
de todos os demais, e faz com que ao lado
do poeta se veja o homem.
Enche o teu espírito de lume;
procura as eminências do cume
e, se o esteio nodoso do teu báculo
encontrar algum obstáculo ao teu intento,
sacode a asa do atrevimento
perante o atrevimento do obstáculo.
Nicolás Guilhén,
Antologia Poética,
Selecção, tradução e notas
de Albano Martins,
Campo das Letras
quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
O Corredor na penumbra
Sentara-se ali muitas vezes
durante uma temporada
como se pudesse dispensar-se de tudo
embora sem deixar transparecer
os trabalhos interrompidos, os recursos, partidas
melhores do que aquela
não tinha a certeza se iria a tempo dessa verdade
Que seguraria ele se pudesse?
Há um momento sem explicação
em que a porta de casa nos resiste
os aspectos habituais debatem-se
em inquietante estranheza
e quando atravessamos o corredor na penumbra
os espelhos não nos reconhecem
José Tolentino Mendonça,
O VIAJANTE SEM SONO,
Assírio & Alvim, 2009
durante uma temporada
como se pudesse dispensar-se de tudo
embora sem deixar transparecer
os trabalhos interrompidos, os recursos, partidas
melhores do que aquela
não tinha a certeza se iria a tempo dessa verdade
Que seguraria ele se pudesse?
Há um momento sem explicação
em que a porta de casa nos resiste
os aspectos habituais debatem-se
em inquietante estranheza
e quando atravessamos o corredor na penumbra
os espelhos não nos reconhecem
José Tolentino Mendonça,
O VIAJANTE SEM SONO,
Assírio & Alvim, 2009
Subscrever:
Mensagens (Atom)